A descoberta da electricidade, em meados do século
XIX, aliada à demonstração da existência das ondas electromagnéticas,
levou os cientistas que estudavam estes fenómenos físicos a imaginar um
aparelho que pudesse "receber" ondas electromagnéticas. Por volta do
ano de 1894, o físico Jagadish Chandra Bose utilizou um cristal de
galena para detectar microondas.
Os desenvolvimentos tecnológicos no início do século
XX permitiram a realização das primeiras transmissões de voz humana e
música através de ondas hertzianas - aquilo que hoje se chama "rádio".
Surgiu, no entanto, um problema na mente dos pioneiros da rádio: se
havia que construir emissores, era também necessário desenvolver
equipamentos que permitissem a recepção das emissões e a sua escuta
pelos ouvintes. Neste contexto, o desenvolvimento do
"detector de bigodes de gato", dispositivo
electrónico construído utilizando um cristal de galena, permitiu a
construção dos primeiros receptores de rádio de galena.

Um detector de
"bigodes de gato"
O detector de
"bigodes de gato" recebia o sinal captado pelo fio da antena (onda electromagnética sinusoidal), e
rectificava-o,
isto é, convertia a onda num sinal contínuo (corrente contínua).
Fazendo uma analogia, trata-se, grosso modo, do mesmo processo que
permite, por exemplo, que a fonte de alimentação de um computador ou o
carregador de um telefone móvel (
telemóvel em Portugal,
telefone celular no
Brasil) receba a tensão alternada (AC) da rede (quando ligamos a ficha
a uma tomada da nossa casa) e converta essa tensão alternada (que varia
ao longo do tempo), numa tensão contínua (DC), que é também reduzida
através de um transformador. Assim, estes detectores não eram mais que
díodos
primitivos (dispositivos electrónicos que permitem a passagem da
corrente eléctrica num sentido, mas não deixam passar corrente no outro
sentido). O detector estava ligado aos auscultadores, permitindo a
audição de rádio. Importa salientar que, na época, só existiam emissões
de rádio em Amplitude Modulada (AM), isto é, em Onda Longa, Onda Média
e Onda Curta. O desenvolvimento do FM só ocorreu nos anos 40.

Rádio de galena, dos anos 20 do século XX, com os respectivos auscultadores.
Não obstante a importância dos receptores a galena,
o facto de, por não terem qualquer amplificação eléctrica e,
consequentemente, oferecerem uma recepção de sinais muito fracos, que
só eram audíveis através de auscultadores, entre outras restrições
importas pela tecnologia, levaram ao estudo de uma nova tecnologia que
permitisse a escuta de rádio através de um altifalante que se fizesse
ouvir numa sala, por exemplo. A solução viável na época era a
válvula termiónica.
Da galena à válvula
As limitações dos rádios a galena levaram à invenção
das válvulas termiónicas, dispositivos que podiam funcionar como díodo
(substituindo os detectores de
"bigodes de gato"),
como, graças ao desenvolvimento da válvula tríodo, servir para
amplificar um sinal, isto é, "pegar" num sinal fraco e "transformá-lo"
num sinal mais forte.
De uma forma muito simplificada, um díodo termiónico
é constituído por uma ampola de vidro onde existe vácuo, dentro da qual
existe uma placa metálica (ânodo) e um filamento (cátodo). Se ligarmos
uma pilha ou uma bateria em série com um miliamperímetro (aparelho de
medição da corrente eléctrica) a uma válvula, considerando a placa
(ânodo) como o pólo positivo e o cátodo como pólo negativo, e se
aquecermos o cátodo, então, a partir de determinado valor de tensão
eléctrica aplicado ao sistema, começa a fluir uma corrente
constante (de electrões) entre o cátodo e o ânodo, não importa a
variação dessa tensão. A este efeito, da passagem de uma corrente
eléctrica que não varia, dentro de uma válvula, independentemente da
tensão, chama-se
efeito de Edison.
A válvula tríodo

Válvula tríodo, de 1906
Se a uma válvula díodo acrescentarmos um terceiro elemento, designado por
grade de controlo,
acrescentado entre o cátodo e o ânodo, então podemos controlar a
corrente na placa (ânodo). Esta válvula de 3 terminais podia ser usada
para amplificar uma corrente de entrada fraca, convertendo-a numa
corrente de saída mais forte. Utilizando várias válvulas, é possível
amplificar um sinal de rádio fraco, permitindo alimentar electricamente
um altifalante. Assim, as válvulas vieram revolucionar a rádio,
permitindo que famílias inteiras pudessem estar numa sala a ouvir as
emissões que "saíam", quase por magia, da "caixa mágica" em cima de um
móvel.
Da válvula ao transístor

Rádio antigo a válvulas, da marca alemã "Telefunken"
Apesar das inovações tecnológicas, as válvulas
tinham diversos problemas: além de serem frágeis (ampolas de vidro),
tinham de aquecer (dissipando energia sob a forma de calor, pelo que
tinham um consumo não negligenciável), ocupavam bastante espaço (mesmo
um rádio "portátil" era grande, para os padrões actuais), obrigavam à
utilização de tensões relativamente elevadas (o que, aliado ao consumo,
fazia com que a autonomia com pilhas fosse reduzida) e iam-se
degradando ao longo do tempo. Estas e outras desvantagens importantes
levaram os cientistas a pesquisar uma tecnologia que fosse mais
eficiente que a das válvulas.
Depois de uma grande investigação levada a cabo nos
Estados Unidos pelo engenheiro John Bardeen, juntamente com os físicos
Walter Houser Brattain e William Shockley, foi apresentado ao mundo, no
longínquo ano de 1947, o primeiro
transístor.

Réplica do primeiro transístor
O nascimento do transístor iniciou a que será,
porventura, a maior revolução tecnológica do século XX. Não foi,
seguramente por acaso, que os três "heróis" da electrónica,
Bardeen, Brattain e Shockley, mereceram o Nobel da Física em 1956. Com
efeito, o desenvolvimento do transístor não contribuiu somente para a
construção de receptores de rádio muito mais pequenos, mais leves e
mais baratos, como também transformou a electrónica por completo. O
transístor "passou" da rádio para a televisão. O conhecimento adquirido
com o transístor permitiu o desenvolvimento de computadores mais
simples (do ponto de vista da electrónica) mas mais rápidos e potentes.
O transístor "chegou" aos automóveis (ainda que os circuitos eléctricos
principais dos carros usem relés em vez de transístores, mercê das
potências eléctricas exigidas). O transístor "chegou" a praticamente
tudo o que é electrónico.
Perguntar-se-á, então, o leitor: mas, então, o que é
um transístor? Para melhor compreender o princípio de funcionamento de
um transístor, é útil saber que, do ponto de vista eléctrico, podemos
dividir os materiais existentes no mundo em 3 categorias:
- Bons condutores de electricidade: materiais
que não oferecem grande resistência à passagem de corrente eléctrica.
Exemplo: a maior parte dos metais (cobre, ouro, alumínio,etc).
- Maus condutores de electricidade: materiais que não permitem (ou dificultam muito) a passagem de corrente eléctrica. Exemplos: plástico, papel, etc.
- Semicondutores:
materiais que não bons nem maus condutores. Permitem a passagem de
corrente eléctrica dentro de certas condições. Alguns exemplos:
silício, germânio, etc. Foi precisamente a descoberta dos materiais
semicondutores o que permitiu a invenção do transístor.

Alguns exemplos de transístores
Sem querer entrar em pormenores técnicos, os
transístores utilizam um material semicondutor, de maneira a
"controlar" a electricidade. Existem 2 modos principais de
funcionamento utilizados na montagem de circuitos com transístores:
- Como interruptor: um
transístor pode funcionar como um interruptor (imagine um candeeiro que
tenha em casa); fazendo uma analogia, imaginemos que em de se ter uma
pessoa a ligar e a desligar o interruptor com os dedos, temos um sinal
eléctrico que "dá ordens" ao transístor para abrir e fechar o
"interruptor". Dando um exemplo, um transístor PNP ou NPN (tipos de
transístores) tem 3 terminais, a saber: base, emissor e colector.
A corrente eléctrica flui do emissor para o colector em função do sinal
que entra na base. Não há sinal na base, não há corrente entre o
emissor e o colector. Há corrente na base, há corrente entre o emissor
e o colector.
- Como amplificador de sinal: se
tivermos uma corrente fraca, como um sinal de rádio, podemos aumentar
essa corrente. É o que permite termos rádio pequenos mas com
altifalantes relativamente potentes.
A título de curiosidade, o primeiro rádio com transístores foi o "
Regency-TR1",
lançado em 1954. Não obstante as prestações medíocres, trata-se de um
marco da história da rádio; quem procurar um rádio em bom estado no
eBay ou noutro serviço de compras e vendas online, verá que, por
claramente merecer o estatuto de peça de museu, é vendido por largas
centenas de dólares... Pormenor interessante: o rádio operava com uma
pilha de 22,5 V, menor, em altura, do que uma corriqueira pilha AA de
1,5 V.

"Regency TR-1" aberto, em exposição no "Deutsches Museum", como o nome
sugere, um museu de ciência e tecnologia que está situado em Munique,
na Alemanha (foto retirada da Wikipédia).
Perguntar-se-á o estimado leitor mais atento: e,
então, as válvulas? Morreram de vez, ou ainda há aplicações para as
válvulas electrónicas? A resposta é sim! Para aplicações que exigem uma
potência considerável, como alguns emissores de rádio, por exemplo, são
ainda utilizadas válvulas (ainda que os emissores recentes, dos últimos
anos, sejam de
estado sólido,
isto é, completamente transistorizados). O leitor que esteja na zona de
Lisboa a ouvir a Rádio Sim na Onda Média, através dos 963 kHz Seixal,
ou no Algarve através dos 891 kHz do emissor de Vilamoura, está a
escutar o som de um velho emissor dos anos 80 que ainda trabalha a
válvulas. Para aplicações de potência muito baixa, o transístor quase
que matou a válvula... com raras e nobres excepções: alguns audiófilos
preferem amplificadores de som a válvulas porque consideram que a
distorção oferecida pelas válvulas é mais tolerável ao ouvido do que a
distorção resultante do uso de transístores. Também alguns músicos
utilizam amplificadores para os seus instrumentos eléctricos
(guitarras, etc) a válvulas pela mesma razão. Todavia, acredito que,
para a maioria dos leitores, não se justifica a mudança, salvo se
estiverem dispostos a investir milhares de euros em equipamento de som
(de que vale um amplificador esplêndido quando se tem umas colunas de
som baratas?)...
Ao estimado leitor deste artigo, que está a olhar para o ecrã de um computador, tablet ou "
smartphone",
vendo esta página Web, pergunto-lhe: imagina quantos transístores tem à
sua frente? Digo-lhe já que escusa de pensar num valor, porque
dificilmente vai acertar à primeira. Só digo: um processador "Apple
A10", utilizado no iPhone 7 tem, nada mais, nada menos do que... 3 300
000 000 transístores! Incrível? Construir placas de circuitos
integrados nunca foi tão ridiculamente fácil e barato. Por cá, em
Portugal, a investigadora Elvira Fortunato
já ganhou um prémio por inventar transístores... de papel!
CC) Luís Carvalho -
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