Do que tenho lido, ouvido e visto tenho de expressar total concordância com o participante “Atentoâ€. São factos o que refere.
A ‘BBC’, como todos sabemos, é muito estimada pelo povo britânico, está presente no quotidiano dos cidadãos, promove a coesão nacional, e é um porta-estandarte do paÃs para o mundo. Sim, é a imagem do paÃs para o mundo. A importância da ‘BBC’ é vital para o Reino Unido e tem uma fortÃssima adesão de toda a população, quase como se fosse da ‘famÃlia’.
Na Alemanha também os serviços públicos de radiodifusão têm muita adesão, mas seguem uma lógica diferente dos restantes paÃses europeus. A Alemanha é uma República Federal de regiões (um modelo que faz lembrar os Estados Unidos) e são as estações regionais públicas que têm uma fortÃssima fidelização do público, mesmo superior à s estações nacionais (quer públicas, quer privadas). Talvez o participante Rui Cleto possa esclarecer se é assim, uma vez que conhece a realidade concreta.
Por exemplo, se analisarmos o meio televisivo da Alemanha, a estação nacional ‘ARD1’ resulta da colaboração e sinergias de todas as estações regionais, que em conjunto produzem um canal para todo o paÃs. Já o operador público ‘ZDF’ foi criado de raiz como operador nacional e tem, também, as importantes finalidades de criar sinergias com os operadores públicos dos paÃses vizinhos (coproduções, etc.) e de exportar a cultura alemã para o mundo (um pouco à semelhança da ‘BBC’).
No meio da radiodifusão, o mercado está com um dinamismo brutal. Há rádios para todos os gostos e feitios. Vejam aqui a gigantesca oferta de estações de rádio na Alemanha em DAB+ (em outubro de 2020 foi lançado um segundo multiplexador nacional em DAB+ para mais 16 estações de rádio privadas).
Termino, com o seguinte acontecimento que decorreu em França na década de 70.
Na década de 60, o governo francês propôs-se a fazer que canais de televisão e de rádio produzidos pelo operador público ‘RTF’ (Radiodiffusion-Télévision Française) figurassem entre os melhores do mundo (seguramente, também com o intuito de exportar a cultura e hábitos franceses). Construiu um edifÃcio moderno, gigantesco, em forma circular no centro de Paris, próximo da Torre Eiffel, equipado com a mais recente tecnologia e composto com um número grande de estúdios, alguns com áreas assinaláveis (hoje, convertidos em salas de espetáculos de Paris).
Todos nos recordamos que na década de 70 a cultura francesa estava bem presente quer na rádio, quer na televisão, em Portugal (e, provavelmente, em muitos outros paÃses).
Na década de 70, o governo de então, comete aquilo que os analistas franceses designam como um grande e irreversÃvel erro, o maior no panorama audiovisual do paÃs. Acabaram com a marca ‘RTF’ e privatizaram o primeiro canal da televisão pública francesa, que passou a chamar-se ‘TF1’, mantendo os restantes dois canais de TV na esfera pública, assim como canais de rádio. Resultado: na década de 80 a projeção da cultura francesa pelo mundo (ocidental, pelo menos) praticamente desapareceu, deixou-se de ouvir música francesa nas rádios, por exemplo, e a dinâmica cultural interna baixou significativamente. Deram um tiro no pé.
Concluindo, o que fazem os serviços públicos por essa Europa fora?
Fidelizam e captam público, criam dinâmicas culturais, sociais internas, exportam a cultura e hábitos do paÃs (a imagem do paÃs), filtram e trazem para o público nacional o que de melhor se faz no mundo ocidental, inovam, definem patamares de qualidade que são referência, criam identidade e ligação dos cidadãos com o seu paÃs. Nenhum operador privado que dá primazia ao lucro se preocupa com estes objetivos, pelo menos desta forma.
Exactamente. Sei perfeitamente do que está a falar, sobretudo o caso da BBC, que é o que conheço melhor. Eu também defendo que devia ser assim no nosso serviço público de rádio mas, infelizmente, não é. Construir uma relação e uma ligação duradouras entre a rádio e o público é algo que necessariamente leva tempo, é demorado, tal como uma relação amorosa. Não são coisas que se fazem num horizonte de quatro anos nem de oito, que é o tempo de um e de dois mandatos. É preciso muito mais tempo e tem de haver coerência nessa construção. Mas isso ultrapassa os timings polÃticos. Nada do que refere, e bem, existe na Antena 2 porque, a meu ver, não tem havido interesse nem vontade da parte dos sucessivos governos e dos ministros da Cultura, que são quem detém também a pasta da Comunicação Social, e tem sido assim independentemente do partido no Poder. Não há uma polÃtica para a rádio, da mesma forma que não há uma polÃtica cultural. Creio que há também uma questão cultural muito portuguesa que também contribui muito. Nós, colectivamente, valorizamos pouco aquilo que é nosso. É verdade que, ao nÃvel musical, o que é feito cá é quase tudo mau (na minha opinião, claro) mas isso tem a ver com outras coisas. Retomando a minha linha de pensamento: 48 anos de ditadura deixam marcas muito fortes e muitas delas ainda não desapareceram em vários aspectos da nossa vida colectiva e neste aspecto também. O PaÃs passou 48 anos a ser-lhe incutida diariamente por um regime ditatorial uma ideia errada e ilusória de que era o maior (o famoso mapa "Portugal é um PaÃs grande" é um exemplo disso), que tudo o que era português era bom e estava proibido de ter acesso ao que se passava no estrangeiro. Quando tudo isso acabou, o PaÃs viu-se subitamente "nu" e pequenino (como sempre foi, geograficamente) que ficou tudo um bocado farto do que era nosso. Havia uma "fome" muito grande de ver e saber o que se passava lá fora e o que se passa lá fora passou a poder vir para cá também. Gradualmente passou-se a valorizar muito mais o que é estrangeiro. Os britânicos foram bombardeados pelos Nazis e sofreram imenso durante a Blitz com os bombardeamentos e o racionamento de comida mas, felizmente, nunca chegaram a ficar sob domÃnio Nazi. A única ditadura que tiveram na sua História foi no séc. XVII e só durou 10 anos. Não deixou quaisquer marcas. Para além disso, os momentos de dificuldades e de privações são momentos em que as pessoas se unem (ou uniam...) mais em torno dos meios de comunicação e a BBC rádio foi fundamental na promoção da união de todo o PaÃs face à ameaça Nazi. Todo o perÃodo da II Guerra Mundial foi ainda muitÃssimo marcado pela rádio enquanto meio de comunicação principal. Quando a II Guerra começou, a BBC One ainda era muito recente. Só tinha 3 anos de vida. Penso que esse terá sido mesmo efectivamente o ano 1 da BBC enquanto instituição britânica, que depois foi consolidada nos anos seguintes. E há que ver também que o nÃvel de instrução e o nÃvel cultural dos britânicos é imensamente superior ao nosso. Não é de espantar que a Radio 3 tenha muito mais audiência do que a nossa Antena 2. Mas isso não é necessariamente devido à BBC. É uma consequência, muito mais do que uma causa. O nÃvel de habilitações literárias conta muito também. Não sei se existe algum estudo ou inquérito sobre a relação entre o tipo de rádios que são ouvidas em Portugal e o nÃvel de escolaridade dos ouvintes mas não é difÃcil perceber que muito dificilmente uma pessoa que tenha o 9º ano ou o 12º ouve a Antena 2 e seja atraÃda para ouvir a Antena 2. A Antena 2 é ouvida sobretudo por pessoas que possuem sobretudo Licenciatura, Mestrado e Doutoramento e o número de pessoas com Ensino Superior, embora tenha vindo sempre a aumentar, sobretudo entre as mulheres, ainda é muito inferior ao número das pessoas com a escolaridade obrigatória.
Claro que podemos e devemos exigir mais enquanto ouvintes, mas há que ter em conta a realidade do nosso PaÃs.
Relativamente ao DAB, não tenho posição tomada sobre isso. O DAB já foi experimentado na Antena 2 mas não correu bem, foi descontinuado e voltaram ao analógico. Os rádios que recebem DAB são carÃssimos e, num PaÃs onde o salário mÃnimo é cada vez mais o salário médio, há prioridades e a esmagadora maioria das pessoas não tem disponibilidade financeira para fazer um investimento desses. Eu, seguramente, não tenho. Daà talvez o motivo para as rádios ainda não terem feito a passagem para o DAB. Muitas rádios dos paÃses do Norte da Europa já o fizeram. Pudera, têm capacidade para suportar um investimento dessa magnitude e ganham muito mais do que nós. Portugal não tem meios nem capacidade para fazer isso. Os receptores DAB lá são caros também de certeza mas para eles são baratos, claro. Tudo tem a ver com o poder de compra. Eles estão à frente de nós em tudo. Na mentalidade, nos salários, no desenvolvimento, em tudo.