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SIRESP: uma perspectiva meramente técnica


   
Na sequência de diversas reportagens televisivas a respeito da implementação do SIRESP em Portugal, considerei pertinente a criação de um artigo imparcial do ponto de vista político, embora não deixando de ser crítico relativamente às decisões técnicas na concepção e funcionamento do sistema.

SIRESP: Sistema Integrado de Redes de Emergência e  Segurança de Portugal

    O Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal, mais conhecido por SIRESP, consiste numa rede digital privada de telecomunicações que opera entre os 380 e os 393 MHz, utilizando o sistema TETRA (Terrestrial Trunked Radio) no intuito de fornecer um sistema seguro, robusto e fiável de comunicações entre as forças de segurança (PSP, GNR, etc.), a Protecção Civil, as corporações de bombeiros e demais entidades que asseguram a segurança nacional. Trata-se de uma tecnologia que deve(ria) assegurar as comunicações entre os agentes envolvidos na defesa de pessoas e bens num cenário de catástrofe.


O que falha no SIRESP?


    Inobstante as vantagens atribuídas ao SIRESP, a realidade mostra que o sistema apresenta um conjunto importante de debilidades graves que comprometem a operacionabilidade do sistema. Apresentaremos, então, as fragilidades da tecnologia adoptada em Portugal:

  • Cobertura radioeléctrica limitada: Apesar de um dos objectivos principais do SIRESP ser a cobertura integral do território português, a cobertura actual da rede tem ainda um número considerável de falhas, incluindo infra-estruturas críticas no país como o Aeroporto de Lisboa, alguns hospitais ou os túneis do Metropolitano de Lisboa. Em caso de catástrofe natural onde o recurso às redes de telemóvel ou aos telefones fixos não constitui uma opção, a falta de sinal do SIRESP pode dificultar ou até invibilizar o socorro às pessoas presentes nesses locais.

  • As torres do SIRESP comunicam entre si através de uma linha telefónica / fibra óptica! Mais uma vez, na presença de um cataclismo grave que resulte na destruição das linhas de telefone e das estruturas das redes de telemóvel, há locais que deixam de ser servidos pelo SIRESP simplesmente porque a torre mais próxima não consegue comunicar com as restantes.
Actualização (Janeiro de 2018): Como a resposta aos trágicos incêndios florestais ocorridos em Portugal no Verão e Outono de 2017 demonstrou, a rede de fibra óptica que assegura as comunicações de dados entre as antenas é claramente vulnerável a qualquer dano que destrua um ou mais cabos (de fibra óptica). De acordo com o relatório do incêndio que assolou o concelho de Pedrógão Grande, em Junho de 2017, efectuado por uma comissão independente, 5 das antenas que asseguram a cobertura nacional do SIRESP estiveram iniperacionais no período crítico para o socorro às populações e combate aos incêndios, operando somente em modo local (as equipas no terreno só podiam falar entre si, não podendo efectuar chamadas para o comando nacional da Protecção Civil ou outros elementos localizados fora do raio de cobertura radioeléctrica das antenas em causa).
  • Baterias de curta duração (6 horas): As torres de comunicação do SIRESP estão equipadas com uma bateria que assegura a alimentação eléctrica do equipamento em caso de falha de energia durante apenas 6 horas. Resta saber se numa tragédia de grandes dimensões será possível reestabelecer a corrente eléctrica nessas escassas horas... Basta recordar a tempestade de Janeiro de 2013 que assolou o continente português, onde as falhas de energia inviabilizaram o SIRESP em vários pontos do país.
Actualização (Janeiro de 2018): Voltando aos incêndios de 2017, está claramente provado que, apesar do siresp ter várias unidades móveis (carrinhas com antenas), estas não estavam operacionais no terreno quando eram fundamentais para assegurar a coordenação de meios no terreno durante os incêndios de Junho de 2017, nomeadamente em Pedrógão Grande.
  • Lista de contactos limitada: fazendo uma analogia, o SIRESP tem uma lista de contactos como a do telemóvel. A diferença reside no facto da rede de emergência apenas permitir realizar transmissões para os utilizadores registados nessa lista. Se um bombeiro não tiver armazenado no transmissor-receptor o contacto da GNR do local, este não pode comunicar com os militares.

  • Coordenadas: Os transceptores permitem visualizar as coordenadas do local, todavia num formato que não é rapidamente assimilável pelo interlocutor. Em caso de necessidade, o operador terá de contactar a central, solicitando a conversão das coordenadas noutro sistema facilmente inteligível.

Moral da história: Apesar das boas intenções, o SIRESP apresenta um conjunto de problemas que podem, num verdadeiro cenário de catástrofe nacional, colocar a vida de milhares de portugueses em risco porque, pura e simplesmente, não consegue garantir uma adequada coordenação entre as forças de socorro. Razão mais que suficiente para que os bombeiros e outras forças continuem a usar os "velhinhos" rádios analógicos que não dependem de terceiros.



Actualização (Janeiro de 2018):

    Tendo em conta que este artigo foi escrito em 2014, o texto original não reflecte a realidade dos trágicos incêndios ocorridos em Portugal durante o Verão e Outono do ano de 2017. Neste contexto, e não sendo justo dissociar as circunstâncias que levaram a mais de uma centenas de mortes do funcionamento (ou, melhor dizendo, não funcionamento) do SIRESP nos períodos críticos para a actuação das forças de protecção civil, importa questionar se existem condições para os utilizadores manterem a confiança no sistema. As notícias confirmam: o SIRESP apresenta falhas sérias pelo menos desde o ano de 2010. Ainda que o Estado nacionalize 54% do capital do SIRESP, as vulnerabilidades na rede resultam de decisões técnicas no mínimo questionáveis. Torna-se fundamental o reforço da redundância das comunicações entre as torres (por via hertziana), de modo a garantir a operacionalidade da rede quando a fibra óptica não funciona. É também imprescindível a garantia de operacionalidade das estações móveis quando requisitadas. As populações necessitam de um sistema de Protecção Civil que seja eficaz e tal só pode acontecer se os actores intervenientes num cenário de catástrofe possam comunicar entre si, coordenando  os meios disponíveis e assegurando o socorro da melhor forma possível.

   



Este artigo encontra-se em permanente revisão. Apesar dos meus esforços para tentar melhorá-lo tanto quanto possível, é provável que o mesmo contenha erros, mormente do foro ortográfico, gramatical ou até mesmo ao nível técnico (conteúdos). Sugiro aos leitores que eventualmente detectem quaisquer incorrecções na página que as encaminhem para o meu endereço de correio electrónico (infra nesta página); da minha parte, e agradecendo de antemão a ajuda prestada na melhoria do artigo, prometo corrigir as situações logo que possível.

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