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Mitos, verdades e erros técnicos acerca da rádio

Não raras vezes, a leitura atenta das participações dos cibernautas em listas de correio electrónico, fóruns de discussão e outros sítios na Internet onde se fala de rádio, revela uma quantidade infelizmente elevada de mitos e erros relativos às questões técnicas intrínsecas ao funcionamento das emissões de radiodifusão. Na expectativa de esclarecer os leitores deste artigo, procuro corrigir não só algumas falácias comuns entre os entusiastas de rádio, mas também outros erros frequentes que, no limite, podem descredibilizar a participação de um cibernauta num qualquer tópico relacionado com esta temática. Deste modo, espero conseguir a consciencialização dos leitores para a realidade da radiodifusão, desmitificando uma quantidade razoável de imprecisões que são "vendidas" na Internet por ignorância ou negligência.


Se a Rádio "A" emite com 1 kW e tem uma cobertura radioeléctrica vasta, sendo bem escutada a x km, então, se a estação instalar um emissor de 2 kW no mesmo local, vai conseguir pôr o dobro da intensidade do sinal à mesma distância do emissor.

Falso. A relação cobertura x potência está muito longe de ser linear. Em teoria, e abstraindo alguns pormenores técnicos importantes, de facto, a intensidade do sinal depende da potência irradiada; todavia, na realidade,  a cobertura de um emissor depende também, em primeira instância, do(s) elemento(s) radiante(s) e das condições de emissão, mas também da orografia, da limpeza do espectro radioeléctrico na região, entre outros factores. Por último mas não menos importante, a propagação do sinal não é independente da frequência. Dependendo da frequência utilizada,  da actividade solar (na HF/Onda Curta), das condições climatéricas, etc., é bem possível que, em certas circunstâncias, um emissor com determinada potência (chamemos-lhe Y) possa ser escutado em melhores condições que um segundo emissor com o dobro da potência (2 x Y). Tal não significa que a potência não conta na avaliação da cobertura de um emissor, mas sim que não podemos isolar o factor potência sem considerar as restantes condicionantes à propagação do sinal.


Porque é que as rádios nacionais têm tantos emissores e não optaram por instalar 3 ou 4 emissores de grande potência [digamos, de 100 kW] para cobrir todo o continente português? Não resolveriam os problemas de cobertura de uma forma muito mais eficiente e económica?

Não necessariamente. Em consequência da resposta à questão n.º 1, podemos afirmar que a cobertura das rádios nacionais não depende apenas da potência. Além das variáveis já mencionadas, acrescente-se toda a logística necessária à implantação de emissores de 100 kW (potência efectiva) em locais como o Monsanto (Lisboa), Monte da Virgem, Lousã ou Fóia (Serra de Monchique). No mínimo, as rádios necessitariam de remodelar por completo os sistemas de emissão, incluindo os elementos radiantes, cabos, amplificadores, etc. , redimensionando-os de forma a suportarem 100 kW. Além disso, a própria alimentação eléctrica do equipamento teria de ser redimensionada para permitir uma potência de entrada na ordem dos 100 + x kW, já que, evidentemente, para garantir uma saída de 100 kW, os equipamentos terão de obter da rede eléctrica uma potência superior. Ainda que os contrangimentos técnicos fossem todos superados, a orografia de alguns locais e outros factores de perturbação da propagação poderiam colocar em causa a cobertura de algumas regiões do país onde um emissor de grande potência não consegue substituir emissores de menor potência mas instalados em locais estratégicos de modo a servir concelhos que de outro modo não teriam acesso às rádios nacionais nas melhores condições.


As emissões FM estéreo exigem um sinal mais forte do que o necessário para escutar a mesma emissão em mono. 

Verdade.  Devido à transmissão de duas componentes de áudio (L e R), os receptores estéreo têm de combinar os sinais L e R, somando-os (L+R) e subtraindo-os (L-R), de modo a separar os dois canais estéreo. Já os receptores monofónicos limitam-se a reagir apenas ao sinal L+R. Efeito colateral: a intensidade do sinal necessária para a descodificação dos dois canais estéreo é maior do que a exigida para uma boa recepção em mono. Razão pela qual muitos receptores estéreo dispõem de um interruptor "stereo/mono" que permite forçar a recepção mono, melhorando a relação sinal/ruído quando o sinal é demasiadamente fraco para uma audição cristalina em estéreo, não obstante ser ainda razoável para a sintonia em mono. A quem estiver interessado em conhecer em pormenor o processo de transmissão em FM estéreo, aconselho a leitura do artigo (em inglês) "Stereo Multiplexing for Dummies".


A Rádio X emite nos 100,0 mHz... ou será mhz? Ou então Mhz?

Nem "mHz", nem "mhz" e muito menos "Mhz". Este é um erro muito frequente. Na verdade, e seguindo a regulamentação do Sistema Internacional de Unidades (SI), o prefixo Mega (que equivale a um milhão) é escrito com "M" maiúsculo. Já a unidade de frequência, hertz, é escrita "Hz" (H- maiúsculo, z minúsculo). No caso do prefixo Giga, escreve-se "G" com maiúscula (ex: GHz). Contudo, o caso do prefixo quilo (k) é escrito com letra minúscula. Assim, escreve-se:

UnidadeNotação
Milihertz (=0,001 Hz)mHz (m minúsculo, H MAIÚSCULO, z minúsculo)
HertzHz (H MAIÚSCULO, z minúsculo)
Quilohertz (=1000 Hz)kHz (k minúsculo, H MAIÚSCULO, z minúsculo)
Megahertz (=1000 000 Hz)MHz (M MAIÚSCULO, H MAIÚSCULO, z minúsculo)
Gigahertz (=1000 000 000 Hz)GHz (G MAIÚSCULO, H MAIÚSCULO, z minúsculo)
 Rapidamente se conclui que 100,0 mHz são muito diferentes de 100,0 MHz. Uma pequena diferença entre minúsculas e maiúsculas, mas que altera rapidamente o sentido de um texto, se o leitor, habituado às boas práticas do SI, não atentar ao contexto exacto em que a frequência é mencionada. Naturalmente que as outras formas ,"mhz", "Mhz",etc. estão erradas e por conseguinte devem ser evitadas.


As frequências atribuídas aos operadores de radiodifusão em Portugal têm sido atribuídas (outrora pela extinta Direcção Geral dos Serviços Radioeléctricos dos CTT, mais tarde ICP e actualmente ICP-ANACOM) de forma completamente independente das entidades reguladoras de outros países.

Falso.
Não obstante o legítimo direito a atribuir quaisquer frequências dentro do território português, a ANACOM, à semelhança dos reguladores de outros países, têm de respeitar as convenções e acordos internacionais relativos à utilização do espectro. Um país pode utilizar as frequências que entender, na condição de não interferirem os serviços de radiodifusão dos países vizinhos, em condições regulares de propagação. Entre as convenções internacionais assinadas por Portugal destaca-se o Plano de Genebra da ITU de 1975, que estipulou, no caso da Europa e de outros continentes, as frequências na Onda Média entre os 531 e os 1602 kHz em canais de 9 kHz, a par da Onda Longa (jamais utilizada por cá); a ratificação deste tratado obrigou, no final dos anos 70 ou no início dos anos 80, as emissoras portuguesas em OM a mudarem as frequências dos emissores para os novos canais atribuídos ao nosso país.

Outro tratado internacional que teve (e continua a ter) repercussão no funcionamento das rádios em Portugal é o plano de Genebra de 1984, que definiu as frequências VHF-FM utilizáveis por Portugal nas zonas de fronteira geográfica com o país vizinho, a Espanha. Não obstante as frequências estipuladas na convenção, os países são livres de negociar entre si a utilização do espectro. Consequência destes acordos internacionais, a ANACOM impôs restrições a alguns operadores portugueses com emissor próximo da fronteira no sentido de não interferirem as rádios espanholas. Pela mesma razão, a ANACOM já solicitou, por diversas vezes, à congénere espanhola que determinadas emissões de rádio do país vizinho ajustassem o equipamento radiante ou procedessem à alteração de frequência, de modo a não prejudicarem as rádios portuguesas.


Dentro de cada faixa atribuída à radiodifusão, é indiferente, do ponto de vista da cobertura radioeléctrica, utilizar uma frequência próxima do limite inferior da faixa ou irradiar numa frequência muito mais elevada, próxima do final da faixa. Exemplo: em VHF-FM (87,5 ~108 MHz), é igual operar nos 87,6 ou nos 107,9 MHz.

Em boa verdade, esta também é uma afirmação falsa. Com efeito, a propagação das ondas radioeléctricas não é, de todo, linear, dentro de cada faixa. Tomando a faixa MF/Onda Média como exemplo, uma emissão nos 549 kHz tende a manter-se estável mesmo durante a noite (onde à onda terrestre se adiciona a propagação ionosférica), enquanto que uma segunda emissão nos 1584 kHz é visivelmente muito mais susceptível a ser prejudicada (no período nocturno e também devido à ionosfera) pelo desvanecimento (fading) do sinal e a distorção do som motivada pelo desfasamento das bandas laterais em torno da portadora.

Nas regiões montanhosas, não é de todo invulgar a demonstração da não linearidade da faixa VHF-FM; mercê da variação dos comprimentos de onda, as frequências mais elevadas (mais próximas dos 108 MHz) são mais vulneráveis à atenuação resultante da presença de obstáculos (neste caso, a própria estrutura das montanhas) entre a antena emissora e a antena de recepção, enquanto que as frequências próximas dos 87,5 MHz se escutam com sinal mais forte e estável. Como se este argumento não bastasse, as frequências altas na banda VHF (bem como na UHF e bandas de frequências mais elevadas) são mais sensíveis a fenómenos de reflexão de ondas que as emissões em frequências baixas. Em determinados cenários reais em Portugal, estes e outros fenómenos conjugados levam à audição de algumas rádios nacionais (em certas zonas de montanha), afectada por um efeito persistente de desvanecimento regular do sinal, desencadeado pela variação de fase do próprio sinal. Tais perturbações costumam afectar com intensidade elevada as frequências mais altas da VHF-FM, enquanto que as rádios a emitir em frequências mais baixas sentem menos (ou nem chegam a sentir) este problema.

Note-se, contudo, que, em teoria e assumindo uma região de terreno plano onde as emissões a sair da mesma torre operam em igualdade de circunstâncias (excepto a frequência de operação), e onde não existem interferências a prejudicar qualquer uma das rádios, emitir nos 88,0 ou nos 106,0 MHz não afecta de forma significativa a qualidade de recepção.  Frise-se, no entanto, que a distância entre a teoria e a realidade é influenciada por um elevado número de factores que beneficiam ou prejudicam o sinal, pelo que estes princípios devem ser interpretados à luz de um cenário ideal onde a única variável será a frequência de operação de um emissor.



Última edição: 2 de Janeiro de 2015

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