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Quando a potência não é tudo...

    Ao longo dos anos em que tenho mantido o "Mundo da Rádio" tenho periodicamente recebido mensagens de correio electrónico de ouvintes a insistir que os problemas de recepção de uma determinada estação de radiodifusão se resolvem todos com um aumento da potência do emissor. Sendo certo que uma potência à saída do emissor adequada às características de emissão e à região a servir é um factor importante que pode melhorar a cobertura radioeléctrica da rádio, a verdade é que existe também um conjunto de situações em que um aumento de potência pode não melhorar consideravelmente a qualidade de recepção dentro da área de influência do emissor. Por outro lado, é incrível a quantidade de pessoas que têm dificuldade a entender por que as rádios colocam frequentemente os emissores no topo de montanhas e outros acidentes geográficos pronunciados. Este artigo baseia-se nas emissões na faixa VHF-FM (87,5-108 MHz), embora, em certas circunstâncias, alguns princípios descritos se apliquem às emissões em LF/Onda Longa (153-279 kHz), MF/Onda Média (531-1602 kHz, na Europa) e na HF/Onda Curta (genericamente, 3 000 a 30 000 kHz).


Primeira questão: mas, afinal, o que é a potência de um emissor?

    Dito de uma forma simples, a potência, no sentido lato do termo, é a quantidade de energia fornecida ou consumida (neste caso, fornecida sob a forma de radiação electromagnética)
por unidade de tempo (geralmente, um segundo). No Sistema Internacional de Unidades (SI), a unidade de potência é o watt, que equivale a um joule (unidade de energia) libertado ou gasto por um qualquer equipamento mecânico ou eléctrico durante um segundo. Num circuito eléctrico, a potência equivale ao produto da [intensidade da] corrente (medida em ampere) pela tensão eléctrica (medida em volt). Exemplo: se tivermos um rádio portátil a pilhas que é alimentado por duas pilhas de 1,5 V (perfazendo, assim, 3 V de tensão de entrada) e é alimentado por uma corrente de 1 A, então, a potência do rádio será de 3V x 1A = 3W. Se o rádio solicitasse às pilhas uma corrente de 0,5 A, então rapidamente se verifica que a potência do rádio seria de 0,5 x 3 = 1,5 W. Voltando ao primeiro cenário, rapidamente se conclui que, se quiséssemos um rádio com 300 W de potência, ou aumentávamos a corrente de entrada para 100 A, ou usávamos uma fonte de tensão eléctrica de 300V (aumentando o nº de pilhas), ou teríamos de encontrar uma solução de compromisso entre as duas (aumentando quer a corrente, quer a tensão). Problema: se obrigássemos as pilhas a fornecer 300A, o mais certo seria elas rebentarem (literalmente), por não aguentarem uma carga eléctrica tão elevada. Se, por outro lado, preferíssemos utilizar 300V de tensão, teríamos de dimensionar o rádio para caberem 200 pilhas de 1,5 V dentro do compartimento. Logicamente que estas duas opções teóricas são, na prática, inexequíveis... A terceira solução supramencionada (solução de compromisso) seria certamente a mais adequada, embora fosse tecnicamente muito difícil (se não impossível) dimensionar uma bateria de 300W para um rádio pequeno. Se a prioridade fosse a potência de 300 W, a solução mais apropriada passaria por deixar de ser um rádio a pilhas para ser alimentado pela rede eléctrica das nossas casas (230 V AC); bastaria dimensionar um transformador eléctrico com rectificador, que transformasse os 230V em corrente alternada numa outra tensão (digamos, 30V) em corrente contínua. Para 300W, teríamos um transformador que à saída forneceria 10 A a 30V. Conclusões:

  1. De duas pilhas de 1,5V (baratas), passaríamos a ter de gastar energia eléctrica da nossa casa, pagando não só a potência contratada junto do fornecedor de electricidade, como também o maior consumo do rádio. Se em vez de um rádio fosse um aquecedor de 2000W, poderíamos até de mandar aumentar a potência da nossa instalação por forma a aguentar o aparelho em funcionamento. Corolário: o aumento da potência reflecte-se na factura de electricidade.
  2. Em várias situações, o aumento da potência pode exigir o redimensionamento do circuito eléctrico que alimenta um determinado equipamento. Dimensionar um circuito para 100 W é  diferente de conceber um equipamento eléctrico que consome 2000W. Basta pensar que quanto maior a corrente, maior será a secção (área) de um fio eléctrico condutor que alimenta uma carga. Basta comparar o cabo do carregador do telemóvel com o cabo de um frigorífico ou de um forno microondas, por exemplo.

    Perguntar-me-á o leitor: mas que relação terá a alimentação eléctrica de um rádio ou de um frigorífico com um emissor de rádio? Simples: quem fala no frigorífico, fala num equipamento de emissão de rádio. Considerando que para emitir com 1 kW, por exemplo, o equipamento de emissão tem de consumir 1000 + X watts, rapidamente se conclui que é fácil emitir 100W através de um emissor ligado à rede eléctrica da nossa casa, mas alimentar um emissor de 10 000W exige uma instalação de média tensão. Se quiséssemos irradiar com 100 000W, provavelmente teríamos de aumentar a potência eléctrica de média tensão oferecida pelo fornecedor de electricidade. Atendendo aos dois problemas já referidos para o caso do pequeno musiqueiro, um aumento considerável de potência num emissor implica não só um aumento dos custos de energia (que se reflectem directamente na factura do fornecedor de electricidade), como, em muitos casos, exige modificações significativas não só no(s) elemento(s) radiante(s), como também no circuito eléctrico que fornece energia ao equipamento de transmissão. Atendendo a estas circunstâncias, e abstraindo o facto de, em Portugal, a ANACOM só permitir aumentos de potência em situações muito específicas, um reforço da potência de transmissão é uma opção que carece de uma séria ponderação por parte do operador radiofónico. Não é e nem deverá ser uma decisão a ser tomada de ânimo leve.


Corolário da primeira questão: no contexto de um emissor de ondas de rádio, o que representa a potência?

    Quando falamos de emissões VHF-FM, a potência normalmente mencionada será a PAR (Potência Aparente Radiada), cujo valor não reflecte apenas a potência efectiva do emissor propriamente dito, mas sim a potência do emissor somada ao ganho do sistema radiante. Isto é, na maior parte das situações, utiliza-se um emissor cuja potência à saída (para as antenas de radiação) é inferior à potência total de emissão, porquanto o próprio sistema de antenas tem um determinado ganho de amplificação. Uma correcta instalação e afinação dos elementos radiantes, aliada à análise cuidada de cada situação em particular por parte de um engenheiro electrotécnico competente são factores imprescindíveis para a obtenção de uma boa cobertura radioeléctrica do emissor. Dito de outra forma, mais vale um sistema emissor + elementos radiantes apropriados para o cenário em estudo do que apostar numa qualquer solução barata e "vingar" o desempenho menos bom "puxando"  pela potência do emissor propriamente dito - isto é válido não só a nível técnico como económico.

Quando o aumento de potência não resolve os problemas de cobertura de uma estação de rádio:

    Por forma a tentar elucidar da melhor forma possível o leitor, passarei a apresentar um exemplos fictício mas muito próximo da realidade:

    Suponhamos que a Rádio X pretendia cobrir uma vasta região através de um emissor de potência elevada. Ao analisar a geografia da região, verifica que entre as cidades "A" e "B" existe uma montanha com uma altitude considerável. Entre as várias hipóteses de colocação do emissor, destacam-se 3:

  • Opção 1: Instalar o emissor nas proximidades da cidade A
Emissor na cidade A

Não obstante à primeira vista parecer boa hipótese, apresenta um pequeno grande problema: apesar de garantir uma recepção excelente na cidade "A" e talvez noutras localidades mais afastadas da montanha, as ondas não atravessam a montanha, pelo que o sinal na cidade "B", se não é nulo, será decerto muito fraco. Como é sabido, em frequências da banda VHF, mais concretamente na faixa VHF-FM (87,5-108 MHz), as ondas electromagnéticas propagam-se em linha recta. Se em certo ponto do caminho as ondas encontram uma estrutura sólida de grandes dimensões (como uma montanha), o sinal não consegue atravessá-la, pelo que, regra geral, do outro lado da montanha não se consegue sintonizar a Rádio X. Como a cidade B se situa do outro lado do acidente geográfico, os ouvintes de rádio residentes na cidade B não ouvem a Rádio X. À região onde o sinal não entra mercê da presença de obstáculos naturais ou arquitectónicos cuja dimensão é maior que o comprimento de onda (no caso da VHF-FM, na ordem dos 3 metros), chamamos zona de sombra. Uma boa analogia será a considerar será o exemplo de um candeeiro ligado: ao colocar um objecto opaco à frente da lâmpada, vê-se a sombra desse objecto na parede.

  • Opção 2: Instalar o emissor próximo da cidade B
    A situação é similar à opção 1, pelo que decerto não será a escolha mais eficiente. Em vez do emissor servir adequadamente a cidade A mas não chegar à cidade B, a cobertura da Rádio X é boa nesta última cidade, não obstante a cidade A ficar "às escuras".

  • Opção 3: Instalar o emissor na montanha, servindo as cidades A e B
emissor na montanha entre as cidades A e B

     A opção mais inteligente: ao colocar o emissor na montanha, a linha de vista entre a torre de emissão e as antenas receptoras é beneficiada pela altitude do local. Reduzindo significativamente a presença de obstáculos entre emissor e receptor e admitindo tratar-se de um emissor de potência elevada, o próprio alcance da Rádio X pode, em princípio aumentar, chegando a outras cidades mais longínquas.

  • Problema: Imaginemos que existe a cidade "C", situada na encosta da montanha ou até do sopé.  A Rádio X ouve-se em boas condições nas cidades A e B, todavia, não se ouve (ou ouve-se com muita dificuldade) na cidade C.
Emissor na montanha, com cidades A, B e C

    É uma situação mais frequente do que se possa pensar à partida. Apesar da grande potência de emissão, as ondas que "saem" do cume da montanha, como se propagam em linha recta, são obstruídas pela própria estrutura da montanha, pelo que, o emissor, servindo perfeitamente às cidades A e B, não consegue cobrir adequadamente a cidade C por esta se situar numa zona de sombra (reler a opção 1). Mesmo que a rádio aumentasse a potência, as ondas continuariam a ser fortemente atenuadas pela estrutura da montanha. A solução técnica passa muitas vezes por instalar um emissor de baixa potência (também conhecidos em Portugal por "microcobertura") na região da cidade C, servindo esta. No exemplo da imagem acima exibida, a microcobertura da Rádio X situa-se entre as cidades B e C, garantindo uma boa recepção nesta última, enquanto que reforça também o sinal na cidade B. Apesar de exigir dois emissores, duas torres de emissão e duas frequências, esta solução assegura uma boa qualidade de recepção nas três cidades; se a orografia for favorável, o sinal do emissor principal da Rádio X também poderá (se não sofrer interferências de outras rádios) fazer-se ouvir noutras cidades mais distantes das três mencionadas. Citando exemplos reais em Portugal, por que razão as rádios nacionais instalaram os emissores no alto da Serra da Lousã (Trevim) e não em Coimbra? Que razões levaram também as rádios a montar torres de emissão no Monte da Virgem em vez de as colocar no Porto ou na Serra de Monchique (Fóia) em detrimento da vila de Monchique ou da cidade de Portimão? Creio que, nesta fase, a resposta será evidente... Mais: a experiência diz que muitas vezes mais vale um emissor de menor potência, embora situado numa localização favorável do que um emissor de maior potência cuja torre foi erguida num local de menor altitude e com uma linha de vista bem mais reduzida.

  • Reflexão de ondas, interferências de outras rádios e outros e problemas:
Retomando o problema anterior, existem outros motivos que justificam a instalação de microcoberturas: dificuldade em receber o emissor principal devido a interferências de outros emissores de radiodifusão, fenómenos de reflexão de ondas, que causam forte distorção do áudio do emissor principal (no exemplo anterior das cidades, em certas circunstâncias, o sinal até poderia ser forte na cidade B, porém sujeito a reflexões que prejudicavam imenso a recepção da Rádio X; neste caso, a microcobertura entre as cidades B e C poderia melhorar consideravelmente a situação), entre outros. Ao contrário do que algumas pessoas insinuam, a ANACOM não autoriza microcoberturas só "porque sim"; os operadores radiofónicos terão de justificar uma decisão dessa natureza recorrendo a dados e a medições técnicas, demonstrando que a(s) estação(ões) visada(s), suponhamos, as três rádios públicas da RTP, não se conseguem ouvir em condições cristalinas em determinada localidade.


«Uma emissão com 10 kW chega com sinal 10 vezes mais forte que uma emissão com apenas 1 kW»:

    Um racionínio que, infelizmente, vejo com demasiada frequência, defende a ideia que a intensidade do sinal é proporcional à potência de emissão. Mais grave é constatar tal linha de argumentação não só em leigos na matéria mas também em radioamadores que, pela sua actividade, tinham a obrigação de dominar os conceitos básicos da propagação de ondas electromagnéticas. Como é sabido, a propagação do sinal entre o emissor e o receptor depende de inúmeros factores. Mesmo operando na potência optimizada, o alcance de um emissor depende das características da(s) antena(s) de emissão, da própria localização do emissor, do ruído atmosférico ou eléctrico, entre outros aspectos. Numa emissão em HF/Onda Curta, por exemplo, dependendo da faixa empregue, da actividade solar, do desvanecimento (fading), etc, é bem possível ouvirmos uma determinada emissão a sair em duas frequências, uma com 100 kW e outra com 250 kW e acontecer que a emissão de 100 kW até se ouvir melhor que a outra! Se há informação a reter deste parágrafo, esta pode-se resumir em poucas palavras: a relação entre potência e intensidade do sinal é tudo menos linear. Seja em VHF-FM, seja em Onda Longa, Onda Média ou Onda Curta.


Este artigo encontra-se em permanente revisão. Apesar dos meus esforços para tentar melhorá-lo tanto quanto possível, é provável que o mesmo contenha erros, mormente do foro ortográfico, gramatical ou até mesmo ao nível técnico (conteúdos). Sugiro aos leitores que eventualmente detectem quaisquer incorrecções na página que as encaminhem para o meu endereço de correio electrónico (infra nesta página); da minha parte, e agradecendo de antemão a ajuda prestada na melhoria do artigo, prometo corrigir as situações logo que possível.

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